5.4.08

É tarde.
Venho de um serviço e só tenho notas para pagar o estacionamento. A de 10 ou a de 20? A de 10 para ficar com menos trocos. Plim, plim, plim, plim, plim, plim, plim. Saiu mais barato do que pensava :)

Tenho de comprar cigarros mas, a esta hora só numa estação de serviço que esteja aberta 24h. Enfio 3 euros no bolso para não ter de tirar a carteira de dentro do saco do material. Enfio o saco no porta bagagens para só o tirar na minha rua.

A próxima estação de serviço é a do IC20 direcção Costa de Caparica, sempre muito bem frequentada depois das 22h, dado a proximidade com o Pica Pau Amarelo.
Estaciono.
Está uma fila enorme para cigarros, cervejas e outras coisas urgentes numa sexta feira de madrugada.

Ele vem ter comigo, casaco com capuz, muito magro, com ar envergonhado.
Ele: Orienta-me uns trocos. Estou a ressacar. Ofereço-te este cd.
Mostra-me um cd do Michael Bolton. O Best of. (provavelmente roubado, que esta malta ouve outros sons). Penso como pode o Michael Bolton ter um best of? Odeio Michael Bolton! Sinto-me muito inteligente por ter posto as moedas no bolso.
Eu: Só tenho trocos para cigarros, vou-te mostrar.
Saco das moedas.
Espanto! Tinha-me enganado nas que meti no bolso e, faltava-me dinheiro.
Fico a olhar para a mão.
Em nanosegundos penso na carteira, dentro do saco do material, dentro do porta bagagens, no carro estacionado ali tão perto. Ainda olho para o carro mas, o instinto pára-me a tempo.

Eu: (entre risinhos estúpidos) Afinal não tenho dinheiro que chegue nem para os cigarros. Fumo amanhã.
Preparo-me para me meter no carro e, dar uma volta enorme até à próxima estação de serviço aberta 24 horas. Maldito vício!
Ele: Falta-te quanto?
Procura nos bolsos.
Eu: A sério, deixa estar. Fumo amanhã.
Ele: (insiste com um sorriso) Falta-te quanto?
Eu: 50 centímos...(encolho-me dentro da roupa e meto as mãos nos bolsos)
Ele: Toma.
Eu: Deixa estar. Fumo amanhã.
Ele: Toma. Eu cravo mais.
Estão todos na fila a olhar para nós. Eu aceito. Deu-me vontade de o abraçar.
Eu: 5 estrelas da tua parte. Obrigada.
Ele afasta-se.

Chega a minha vez.
Eu: Quero um LM vermelho sff.
Empregado de bomba atrás de um vidro de segurança com microfone: São 3 euros e 30.
Em tempos, o aumento do tabaco era notícia de abertura dos telejornais. Porra, não sabia que o tabaco tinha aumentado!
Olho para a mão e tenho 3 euros. 50 centímos dados pelo crava. Penso outra vez na carteira, dentro do saco do material, dentro do porta bagagens, dentro do carro estacionado ali tão perto.
Eu: Só tenho 3 euros. Posso vir cá amanhã entregar o resto? Moro aqui perto...
Vergonha, vergonha! O crava ainda está por perto e foi tão simpático...não há necessidade nenhuma desta situação...
Empregado de bomba atrás de um vidro de segurança com microfone: Queres um mais barato?
Eu (só em pensamento): Não pá quero um LM vermelho! Tenho dinheiro para mais que um maço mas já consegui chegar até aqui sem arranjar problemas, colabora anda!
Eu: Gostava mesmo de um LM vermelho...
Empregado de bomba atrás de um vidro de segurança com microfone: Ok...leva lá o tabaco eu meto 30 centímos do meu bolso...
Eu: Obrigada! Muito obrigada! Amanhã venho cá trazer-te o dinheiro.

O empregado de bomba, atrás de um vidro de segurança com microfone encolhe os ombros. Já está habituado a tanta coisa que 30 centímos não é nada para não se meter em sarilhos. Como o compreendo! Além disso eu estou a empatar a fila.

Meto-me no carro. Levanto um polegar ao crava enquanto arranco. Ele retribui com o seu polegar levantado. Apetece-me voltar atrás e dar-lhe algum dinheiro, mas sigo caminho. O saco do material, concentra-te no saco do material...

Chego a casa e preparo-me para fumar um cigarro enquanto edito fotos. Visto o pijama. A expectativa de fumar é fantástica, depois de muitos quilómetros em auto-estradas vazias e escuras.

O tabaco? Onde está o tabaco? Aquele maço de tabaco cravado sem querer, arrancado a ferros sem necessidade, para não correr o riscos! Vem-me à memória o gesto de o atirar para o banco do pendura ao entrar no carro.
Eu (só em pensamento): Foda-se!

Lá vai ela de pijama e ténis ao carro. Linda figurinha de se encontrar na rua de madrugada. Espero não encontrar nenhum vizinho. Tenho um pijama de homem aos quadrados azuis saído de um filme série B. Mais uma vez: maldito vício!

Finalmente, fumo um cigarro. Amanhã vou à bomba levar os trocos e, se o crava de serviço fôr o mesmo dou-lhe 1 euro para o vício dele. Sem cd de Michael Bolton em troca...

10 comentários:

Leonoreta disse...

não é "interlúdio pita".

Rodrigo Cabrita disse...

Genial! Genial! ahahahaha, o que eu me ri. És cá uma descarada!Até a um cravas consegues cravar!!! Excelente história vivida! Um beijo e vê lá se deixas de fumar. Ao preço que está o maço e pela quantidade que se fuma, rapidamente gastas o dinheiro num filtro, num disco externo, nuns dvd´s quaisquer. Beijos

Angie disse...

Maravilhoso momento...bigada...já ganhei o dia e muito bem apanhado sob o ponto de vista literário! ;) Bj

P. disse...

Estória extremamente inspiradora.. deu para sentir o pânico em cada linha do post.

Só a titulo de curiosidade: o aumento foi notícia, mas passou um pouco despercebido e já foi há algum tempo.

SkinStorm disse...

Leonoreta,
Tens razão já retirei a etiqueta.

Rodrigo,
É mais improvisada que descarada :)Isso do deixar de fumar são mais 500.

angie,
Obrigada!

p.,
Nada de pânicos...a não ser pelo faco de estar a ver que nunca mais ia conseguir fumar um cigarro.

Anónimo disse...

so tu para uma destas...
:DDDDD
*

P. disse...

Então, em vez de pânico, chamar-lhe-ei suspense.. ;)!
É mais apropriado..

Anónimo disse...

Epa, gostei muito desta história.
Ao ler fazia-me sentir que era a mim que me estava a acontecer. :-)

Leonoreta disse...

já pagaste?!


(Tás tão lerdinha!)

SkinStorm disse...

Não. O empregado foi de férias e quando lá estive o crava não era o mesmo.

Lerdinha? Eu pareço um esquilo a ir buscar e trazer para a toca...o pior é o resto...